SPARTACUS (1960)

(Spartacus)

 

Videoteca do Beto #40

Dirigido por Stanley Kubrick.

Elenco: Kirk Douglas, Laurence Olivier, Peter Ustinov, Jean Simmons, Charles Laughton, Tony Curtis, John Gavin, Nina Foch, John Ireland, Herbert Lom, John Dall, Charles McGraw, Joanna Barnes, Harold Stone, Woody Strode e Peter Brocco.

Roteiro: Dalton Trumbo, baseado em livro de Howard Fast.

Produção: Edward Lewis.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido o filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Extremamente atraente visualmente, o épico de Stanley Kubrick “Spartacus” é também um drama bastante humano sobre a luta de um escravo contra a opressão do imponente império Romano. Mesmo sem a costumeira liberdade artística que conseguiria alguns anos depois, Kubrick consegue realizar um excelente trabalho, construindo seqüências maravilhosas e narrando uma história extremamente cativante com a habitual competência.

Um escravo chamado Spartacus (Kirk Douglas), condenado à morte por morder um guarda, é comprado por um agente de gladiadores e levado para ser treinado como tal. Ao ser colocado na arena para servir de espetáculo para dois casais romanos e ser poupado por seu oponente, Spartacus vê crescer dentro de si a fúria contra o império romano, que explode de vez quando sua amada Varinia (Jean Simmons) é vendida e levada para Roma. Sua revolta rapidamente se transforma numa verdadeira rebelião contra Roma, que tomará proporções épicas e terminará de forma trágica para a maioria dos envolvidos.

Os gladiadores em “Spartacus” eram homens treinados somente para matar. Seus corpos esculpidos eram capazes de impressionar as mulheres romanas, arrancando sorrisos e olhares nada discretos por parte delas. Por outro lado, estes homens intuitivamente não estabeleciam relações de amizade entre si, pois sabiam que um dia poderiam ter que se enfrentar na arena. Exatamente quando descobre esta particularidade, Spartacus acaba mudando o conceito, e o gladiador que o contestou numa conversa sobre o assunto é justamente aquele que não consegue matá-lo na arena, mesmo com o oponente completamente dominado, justamente por causa da pequena conexão criada entre eles. Esta conexão se transforma então num sentimento muito maior, existente entre todos os gladiadores e escravos, quando Spartacus, ao ver sua amada ser vendida e levada para Roma, inicia sua rebelião.

Como podemos perceber, o bom roteiro de Dalton Trumbo (baseado em livro de Howard Fast) é repleto de momentos extremamente marcantes, como a emocionante frase repetida por todos os prisioneiros (“Eu sou Spartacus!”), após a sangrenta batalha entre romanos e escravos. Além disso, é dono de uma coragem ímpar para sua época, como podemos notar no diálogo entre Crassus (Laurence Olivier) e Antoninus (Tony Curtis) sobre ostras e caracóis, claramente contendo um subtexto homossexual (lembre-se, o filme é de 1960). O jogo de interesses pelo poder também é muito bem retratado no longa, reforçando a qualidade do roteiro de Trumbo. Notável também é o resultado alcançado pela direção de fotografia de Russell Metty (supervisionada tão de perto por Kubrick que Metty pediu para não ser creditado), que destaca cores áridas na primeira parte do filme (marrom, amarelo e bege) refletindo o clima quente e seco em que os escravos viviam, e posteriormente, alterna de cores fortes nas belas planícies para o mergulho nas sombras dentro dos ambientes pouco iluminados da época. O bom trabalho de montagem de Robert Lawrence alterna com consistência entre as seqüências de ação (treinamento, guerra), romance (Spartacus e Varinia) e até mesmo as sutilezas políticas nos bastidores do senado romano. Além disso, a montagem cria um grande momento quando os dois líderes (Spartacus e Crassus) estão discursando para os seus seguidores. A perfeita ambientação à época do império romano se consolida através da boa direção de arte de Eric Orbom e dos belos figurinos da dupla Valles e Bill Thomas, tornando aquele universo bastante crível. A bela trilha sonora de Alex North completa o ótimo trabalho técnico, alternando entre momentos leves e sentimentalistas (quando a cena envolve Varinia) e acordes rápidos e fortes (durante o treinamento), alcançando seu ápice durante a batalha final, em tom triunfal.

Mas Spartacus não é apenas um esplendor técnico. As atuações mantém o bom nível do longa, a começar por Kirk Douglas, que encarna Spartacus, o escravo que virou líder da rebelião, com grande vigor. Sua firmeza na condução de milhares de pessoas demonstra seu extinto nato de liderança, e Douglas é competente ao transmitir a firmeza necessária ao personagem. O ator também se mostra competente nos momentos sutis, como quando diz que Antoninus tem grande valor e que ele tem sede de saber (“Um animal aprende a lutar, mas recitar coisas bonitas… Sou livre e não sei ler, quero aprender tudo. Quero saber de onde vem o vento…”). Nas palavras de Varinia, Spartacus era forte o suficiente para ser fraco, demonstrando sentimentos e se mostrando alguém bastante humano, como fica claro quando tem a oportunidade de salvar sua pele e da sua família, mas ao invés disso, manda embora quem fez a oferta, extremamente ofendido pela idéia de deixar os outros escravos para trás. Além disso, o romance entre Spartacus e Varinia só é verossímil devido à excelente química do casal. O interesse de Spartacus por Varinia era verdadeiro (“Eles a machucaram?”), e ela sente isto. A paixão nasce quando ele a trata como uma pessoa, uma mulher de verdade, e não uma escrava sexual que está ali para servi-lo. Esta paixão será o estopim da revolta de Spartacus, que iniciará sua luta contra Roma no momento em que ver Varinia deixar os portões da cidade. Jean Simmons é a parceira ideal para Douglas, vivendo Varinia com sensualidade e sensibilidade. Seus grandes momentos acontecem justamente quando contracena com o escravo, criando empatia com o espectador, como em seu reencontro com Spartacus após ser levada para Roma, o momento em que conta que está grávida e a triste despedida do casal.

Completando o elenco, Charles McGraw é bem firme como Marcellus, o ex-gladiador que agora é treinador (“Teria o visual de Maximus, de Gladiador, sido inspirado nele?”). Peter Ustinov também está muito bem como o esperto agente de escravos Lentulus Batiatus. Repare como ao pressentir que o local estava em ebulição, ele foge sem pestanejar, largando tudo para trás, momentos antes da rebelião se consumar. Charles Laughton tem uma grande atuação como o senador Gracchus, que faz questão de deixar bem claro qual é o único meio de se manter vivo no sujo universo do senado romano (“Em Roma, a dignidade encurta a vida mais que a doença”). E finalmente, Laurence Olivier cria um Marcus Crassus absolutamente temível, alternando repentinamente seu senso de humor, por exemplo, quando está com Varinia. Sua crueldade fica evidente quando finalmente chega ao poder. Sua sede não era apenas por capturar Spartacus, ele queria “matar a lenda”. Mas suas atitudes tiveram um efeito contrário. Interessante notar como o cruel Crassus se rende ao poder de sedução da mulher quando vê Varinia, levando-a para viver com ele. Por mais cruel que seja, um homem jamais resiste aos encantos femininos.

E finalmente, não podemos deixar de destacar o homem responsável por este grande épico. Stanley Kubrick dirige “Spartacus” com a firmeza costumeira, trabalhando nos pequenos detalhes para criar cenas absolutamente inesquecíveis. Repare, por exemplo, o plano deslumbrante da caminhada dos escravos, já livres, filmado de cima de um monte, ou o curioso ponto de vista de Spartacus enquanto aguarda ansioso para lutar na arena, olhando pela fresta da madeira. Kubrick ainda comanda duas seqüências absolutamente sensacionais. A primeira delas é a rebelião dos gladiadores e a conseqüente fuga do local onde eram treinados, filmada com muito vigor e realismo. Ainda mais impressionante é a espetacular seqüência da batalha final, com movimentos orquestrados de mais de oito mil figurantes, movimentos de câmera extremamente ágeis e um ritmo alucinante completamente coerente com o momento, tornando a cena bastante realista. Um exemplo de grande direção. Destaca-se nesta seqüência o excelente trabalho de som que trabalha em pequenos detalhes, como o barulho das espadas, e em grande escala, através dos gritos da multidão.

A bela e triste cena final emociona, quando Spartacus, à beira da morte, conhece seu filho, que viverá livre como ele sonhou. O triste desfecho resume bem o fio condutor da trama. A luta de um homem para conseguir ser livre, viver normalmente e ter uma família. E exatamente por retratar esta batalha focando o drama de um homem só que “Spartacus” se torna bastante humano. O espectador se identifica com o drama que vê na tela, o que não aconteceria se apenas acompanhasse milhares de homens lutando em campo aberto, sem saber as motivações de cada um. As razões do conflito ficam claras e o espectador sabe o que está em jogo.

“Spartacus” não é o grande trabalho da vida de Stanley Kubrick, que faria depois pelo menos duas obras-primas da história do cinema. Mas nem por isso deixa de ser um grande filme, lindamente fotografado, com uma estória apaixonante e envolvente e, pra variar, extremamente bem dirigido. Contando ainda com excelentes atuações, o longa garante a diversão e prova que as grandes produções podem sim oferecer bom entretenimento, sem ofender a inteligência do espectador.

Texto publicado em 29 de Janeiro de 2010 por Roberto Siqueira

15 comentários sobre “SPARTACUS (1960)

  1. cross98 6 maio, 2012 / 8:45 pm

    não nego que é bom, mas tambem não nego que a série é melhor

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    • Roberto Siqueira 9 maio, 2012 / 11:20 pm

      Nunca assisti a série.
      Abraço.

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  2. francisco 24 setembro, 2011 / 1:24 am

    Também respeito a opinião do César, mas francamente tb não concordo em ‘quase nada’ com o que ele escreveu sobre esta obra magnífica do cinema épico, principalmente por depreciar Kirk Douglas, um ator pelo qual sempre nutri o maior respeito. Em verdade ele nunca teve o talento natural de um Marlon Brando, mas ao contrário deste sempre conseguiu ser um profissional exemplar na atuação ou em produção de filmes de grande qualidade. Quanto aos clichês de Spartacus, não sei onde estão, inclusive é bom lembrar que o filme até é reconhecido por vários críticos de renome mundial como primeiro épico romano que se preocupou em evitar os vícios e clichês habituais comuns em filmes como Quo Vadis ou O Manto Sagrado. Para encerrar me permita fazer uma brincadeira: Eu comparo a diferença entre Ben-Hur e Spartacus como a de Beatles e Rolling Stones,(em ordem respectiva), rsrs…um abraço e obrigado robertão por mais esta oportunidade.

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    • Roberto Siqueira 13 outubro, 2011 / 11:31 pm

      Olá Francisco,
      Eu é que agradeço sua presença constante no site e seus comentários.
      Abraço.

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  3. Pedro Henrique 22 julho, 2011 / 3:00 am

    Esse filme é muito bonito, mostra a luta dos escravos pela liberdade. Uma cena que não vou me esquecer deste filme é quando Spartacus e Antoninus são obrigados por Crassus a lutarem um contra o outro e o vencedor seria crucificado, e quando Antoninus morre nos braços de Spartacus ( se não me falhe a memória ele diz: ” Você é o pai que eu nunca tive”, e Spartacus responde: ”Você é como o meu filho que jamais verei”. Emocionante. Épico!

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    • Roberto Siqueira 23 julho, 2011 / 10:34 pm

      Olá Pedro Henrique,
      Obrigado pelo comentário. Bela cena a que você citou.
      Grande abraço.

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  4. Cesar Duarte 18 julho, 2011 / 11:30 pm

    Realmente gosto nao se discute, porque Spartacus, apesar da excelente fotografia, da boa música de Alex North e das excelentes atuações dos atores Lawrence Olivier, Charles Laughton e de Peter Ustinov, que está muito caricato, lembrando muito o papel de Nero do filme Quo Vadis?, durante sua longa projeção o filme realmente não se sustenta, pois esta saturado de clichês. Kirk Douglas, para o papel título, definitivamente é difícil de engolir, não convence. Por isso Willian Wyler não aceitou trocar o Charlton Heston por ele para o papel de Ben-Hur. Por esse motivo ele mesmo bancou a produção de Spartacus para fazer o seu próprio épico, daí a explicação para ele fazer o personagem principal. Não quero com isso dizer que ele é um artista sem atributos, claro que não, mas para esse tipo de papel não dá. Imaginem Charlton Heston nesse papel. Certamente o filme ganharia muito. Para quem leu o livro de HOWARD FAST, no qual o filme se baseia, sabe que o filme não tem a mesma dimensão e força da obra literária. Para finalizar é bom destacar que o próprio Stanley Kubrick gostaria de ver esse filme excluído de sua obra, porque no fundo ele próprio sabia que se tratava de uma película que em nada acrescentaria à sua excepcional filmografia. Tirando tudo isto, é um filme que se pode curtir tranquilamente, porém está longe de outros filmes do gênero, como Lawrence das Arábias, El Cid e Ben-Hur.

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    • Roberto Siqueira 22 julho, 2011 / 12:31 am

      Respeito sua opinião Cesar, mas não concordo.
      Acho um grande filme, ainda que realmente inferior às obras-primas do Kubrick.
      Abraço.

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    • Roberto Siqueira 29 setembro, 2010 / 11:42 pm

      Seria melhor ver o filme para fazer o trabalho, não?
      Abraço.

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  5. francisco 14 julho, 2010 / 10:42 am

    Perfeito !!! Gostei demais deste comentário e sobre a cena que vc citou muito bem sobre a coreografia do exército romano no final, gostaria de acrescentar que é de um impacto tão impressionante que não deixa a menor dúvida, por um lado, sobre a massacrante superioridade do poder romano na época, e por outro lado demonstrou o quanto temiam à Spartacus, dispensando tantas legiões para combatê-lo ! Um abraço !!!

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    • Roberto Siqueira 16 julho, 2010 / 7:30 pm

      Excelente observação Francisco. Roma era extremamente poderosa na época e Spartacus conseguiu causar temor e atrair um exército gigantesco. A cena é magnífica, provando a qualidade do trabalho do gênio Kubrick.
      Abraço.

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