DOZE HOMENS E UMA SENTENÇA (1957)

(12 Angry Men) 

5 Estrelas 

Obra-Prima 

Videoteca do Beto #13

Dirigido por Sidney Lumet.

Elenco: Henry Fonda, Lee J. Cobb, E. G. Marshall, Jack Klugman, Ed Begley, Martin Balsam, John Fiedler, Ed Binns, Jack Warden, Joseph Sweeney, George Voskovec, Robert Webber. 

Roteiro: Reginald Rose. 

Produção: Henry Fonda e Reginald Rose. 

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido o filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

“É sempre difícil deixar o preconceito fora de uma questão dessas. Não importa pra que lado vá, o preconceito sempre obscurece a verdade”. A poderosa frase dita por um personagem chave em determinado momento da trama resume bem a mensagem principal deste filme absolutamente corajoso, envolvente e surpreendentemente original. Filmado quase que em sua totalidade dentro de uma única sala (somente 3 minutos acontecem fora dela), “Doze Homens e uma Sentença” é a prova de que um filme pode sim ser do mais alto nível sem a necessidade de grandes investimentos, apenas utilizando a criatividade e o talento.

Doze jurados têm a responsabilidade de decidir se um jovem garoto, acusado de matar o próprio pai, é culpado ou inocente. Com base na enorme quantidade de provas apresentadas pela promotoria, onze deles têm absoluta certeza de que o menino é culpado. Mas um dos jurados não pensa desta forma. Como a lei exige unanimidade na decisão, todos tentarão argumentar para convencer o último jurado de que eles têm razão.

A obra-prima de Lumet nos leva inicialmente ao tribunal onde o julgamento do garoto está acontecendo. Minutos depois, somos transportados, junto com os atores, para dentro da sala onde a importante decisão será tomada. O close no garoto antes de nos jogar dentro dela, auxiliado pela lenta e triste trilha sonora, nos lembra o que está em jogo naquele momento. Um dos grandes méritos do filme, aliás, é que o roteiro de Reginald Rose nunca nos diz se o garoto é de fato inocente ou culpado. Mesmo assim, a perfeita argumentação de apenas um jurado é suficiente para nos fazer concordar com ele logo no início do filme. Desta forma, quando a segunda votação proposta pelo personagem de Henry Fonda tem inicio, nos pegamos torcendo para alguém ter escrito “não culpado” no papel, pois os argumentos apresentados por ele foram convincentes e nos provam que não temos a certeza necessária para acusar o menino.

A direção de Lumet é absolutamente competente na direção de atores, evitando que o filme se torne maçante (o que seria compreensível em um filme que se passa o tempo todo no mesmo local). Observe como os atores sempre fazem algo para ter um pouco de movimentação em cena, como tirar os casacos, mexer nos óculos, levantar, olhar pela janela, ligar o ventilador ou mudar de posição na mesa. Este absoluto controle da movimentação em cena (misè-en-scene) pode ser observado em detalhes na cena em que um jurado preconceituoso (Ed Begley) começa a fazer seu discurso inflamado contra o garoto. Os outros jurados começam a se levantar e ficar de costas pra ele, demonstrando que não concordam com o que ele fala. A câmera se distancia lentamente, diminuindo o personagem na cena. Simultaneamente, ele vai diminuindo o tom de voz, até ficar desolado e sentar numa cadeira. O elenco atua em conjunto e a cena visualmente é perfeita na tradução do sentimento de todos. Além disso, Lumet explora ao máximo as possibilidades que a situação oferece, utilizando a câmera para nos transmitir sentimentos. Em uma das votações, Lumet vai aproximando lentamente a câmera do imigrante enquanto eles contam nove a três para “culpado”. Quando a câmera está bem próxima, ele muda de opinião e vota inocente. A câmera traduz visualmente o momento em que ele se convence e muda, engrandecendo-o na tela, como se a coragem para mudar estivesse crescendo dentro dele até o ponto de externar esta decisão. Outro detalhe perceptível é que a câmera inicia o longa filmando a maioria do tempo por cima, em plano geral. Com o passar do tempo ela vai descendo e filma os atores pela metade do corpo e quando se aproxima o final do filme, Lumet abusa da utilização de close no rosto deles. Desta forma, o diretor traduz visualmente o aumento da tensão e da sensação de angústia dos jurados. A chuva também é um artifício muito bem utilizado para aumentar esta sensação de incomodo e desconforto, como se eles estivessem se sentindo enclausurados. Finalmente, Lumet capta muito bem as excelentes atuações de todo o elenco. Repare, por exemplo, a cena em que os jurados discutem sobre a velocidade dos passos de uma das testemunhas do caso. Um jurado diz que “um velho daquele jamais saberia precisar esta informação” e a câmera da um close nele exatamente no momento em que percebe ter escancarado seu preconceito, o que se agrava pela presença de um senhor de idade na sala.

É preciso dizer que, para o sucesso absoluto do filme, a excepcional direção de Lumet não seria suficiente. Seria preciso também um elenco extremamente capaz. E felizmente, este é o caso. Isto porque mesmo quando não estão diretamente ligados à cena, os atores estão sempre aparecendo, mesmo que seja em segundo plano, o que os obriga a “atuar” praticamente durante todo o filme. Logo na primeira votação dois detalhes já mostram sutilmente como é o ser humano, graças à fenomenal interpretação coletiva do elenco. Ao perguntar quem considera o garoto culpado, alguns erguem as mãos na hora. Outros aguardam alguns segundos, observam e só depois erguem, claramente seguindo a opinião da maioria sem a menor convicção. Já quando começa a contagem, ao ver que Fonda não ergueu a mão, o rapaz que conta faz uma pausa, mostrando-se impressionado com o voto dele. Todos olham pra ele como forma de intimidá-lo pela atitude tomada. Henry Fonda encabeça o elenco com uma atuação do melhor nível. Inicialmente pensativo, ele vai lentamente mostrando que os seus argumentos são mais do que suficientes para não condenar o garoto. Quando o jurado nº 1 (Martin Balsam) pergunta: “Você não acha que ele é culpado?”, ele responde: “Eu não sei”. Esta é à base do seu argumento, e a grande lição do filme, ou seja, se você não tem certeza absoluta, não pode condenar uma pessoa à morte. Um dos seus grandes momentos acontece logo após a demonstração de que a testemunha não conseguiria correr determinada distância em 15 segundos. Um dos jurados (interpretado magnificamente por Lee J. Cobb) diz que eles estão loucos, sendo convencidos por contos de fadas e deixando o garoto escapar pelas mãos. Ao ser provocado por Fonda, Cobb explode em cena, rangendo os dentes, cerrando os olhos e furiosamente partindo pra cima dele. Fonda, cinicamente, prova que estava certo antes ao afirmar que nem sempre queremos fazer o que dizemos. Lee J. Cobb reafirma seu talento quando altera seu voto, mostrando com muita emoção o motivo de sua posição firme até ali. É até difícil apontar destaques no elenco, já que todos têm atuações de alto nível. O jurado nº 7 (Jack Warden), por exemplo, se mostra logo no inicio como alguém fanático por esporte e que pouco se importa com o que está em jogo. Seu desinteresse fica ainda mais evidente quando muda seu voto sem nenhum motivo plausível, o que gera a revolta do jurado imigrante, interpretado por George Voskovec. John Fiedler, como o jurado nº 2, mostra através da voz sua timidez e insegurança. Martin Balsam conduz a votação com firmeza e se mostra bem justo e convicto de suas opiniões. O jurado nº 4 (E. G. Marshall) também mostra a mesma postura e quando Fonda questiona o que ele fez nos últimos dias, suas respostas são rápidas, como quem quer mostrar que tem certeza do que está falando. Joseph Sweeney, como o jurado nº 9, fala com muita propriedade sobre os motivos que levariam uma testemunha a mentir, numa alusão clara a ele mesmo, que também é um senhor de idade. Observe como ele faz uma pequena pausa quando alguém tosse e depois prossegue no discurso. Estes pequenos detalhes mostram a qualidade da interpretação de todo elenco.

O roteiro de Reginald Rose também tem grande mérito no sucesso do filme. Com diálogos ágeis e sempre interessantes, consegue prender a atenção do espectador em todos os momentos. Aborda também diversos temas polêmicos e escancara preconceitos, o que é bastante válido. Na primeira votação, por exemplo, os jurados começam a explicar porque votaram em “culpado”. E já no primeiro jurado podemos ver um erro que é freqüentemente cometido pelas pessoas, quando ele diz que acha que é culpado porque ninguém provou o contrário. Ora, como diz o personagem de Fonda, o ônus da prova é da promotoria, ou seja, o réu pode ficar calado. Quem tem que provar é quem acusa. Só que infelizmente o ser humano tem a tendência de julgar imediatamente como culpado alguém que é apenas acusado de algo. Outro trecho interessante do roteiro é a cena em que um jurado diz que o menino não sabe nem falar o inglês correto (“He don’t speak good english”. O imigrante corrige: “He doesn’t”). Este trecho irônico mostra que o preconceito dele é idiota, já que o imigrante fala inglês melhor do que ele próprio.

Como se não bastassem todas estas qualidades, “Doze Homens e uma Sentença” propõe ainda uma reflexão interessante no espectador, ao abordar o já citado preconceito de diversas formas diferentes. Temos o preconceito contra a origem da pessoa (um dos homens diz que o cortiço é uma escola de bandidos), contra os imigrantes (o esportista diz: “eles vêm para o nosso país e já querem dar opinião”), o preconceito contra os mais velhos e até mesmo contra os jovens, que é o grande motor da fúria de um dos jurados que havia brigado com o filho e deixou este problema pessoal afetar sua decisão no caso. Em resumo, o filme nos mostra claramente que jamais devemos nos deixar levar pelas aparências. Por tudo isso, podemos dizer que a parte técnica discreta e limitada pelo ambiente único não faz nenhuma falta. O filme é completo e não precisa de mais nada.

Sidney Lumet conseguiu realizar em “Doze Homens e uma Sentença” uma verdadeira aula de cinema, utilizando de forma excepcional o seu talentoso elenco, abusando de sua qualidade como diretor e criando, no fim das contas, uma verdadeira obra-prima. Admiradores do cinema devem saborear este filme singular, que é a prova de que mesmo sem grandes recursos técnicos o cinema pode nos oferecer grandes obras.

PS: Para ver outra crítica interessante do filme no Blog Cinepapo, de meu amigo Augusto, clique aqui.

Texto publicado em 29 de Setembro de 2009 por Roberto Siqueira

14 comentários sobre “DOZE HOMENS E UMA SENTENÇA (1957)

  1. Davi Cardoso 24 outubro, 2015 / 10:13 pm

    Roberto, teria algum audiovisual de sua autoria que eu possa ver?

    12 Homens e Uma Sentença: (sem palavras) um dos melhores filmes que já vi, meu top 10 é muito acirrado, é filme que entra, filme que saí. Filme que cai de posição e outros que sobem. 12HEUS teve tempo recorde no primeiro lugar: doia meses.

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    • Anônimo 24 outubro, 2015 / 10:15 pm

      *dois meses

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    • Roberto Siqueira 2 novembro, 2015 / 4:50 pm

      Que legal Davi, trata-se de um grande filme realmente.

      Ainda não tenho nenhum audiovisual. Por enquanto só este espaço mesmo.

      Abraço.

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    • Roberto Siqueira 3 outubro, 2012 / 10:53 pm

      Que bom que gostou Nilva. Fico feliz.
      Abraço.

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  2. Janerson 9 agosto, 2012 / 4:22 pm

    Olá Roberto, mais uma vez lhe congratulo. O que pensar de um filme que se passa quase que em sua totalidade entre quatro paredes, com doze homens discutindo destino de um réu? Algo chato e entediante, não é mesmo?. Mas isso até assistir essa obra fabulosa do cinema. Concordo com o que foi escrito em sua resenha. As atuações estão ótimas, os diálogos afiados e a direção é o ponto alto. Lee J. Cobb com seu jurado nº 3 nos trás nada mais do que o reflexo de uma relação pai-filho conturbada e suas possíveis consequências. Joseph Sweeney nos apresenta um detalhe quase imperceptível: quem repararia num simples coçar de nariz e o que isso representaria perante uma decisão? E Henry Fonda com seu lúcido jurado nº 8 demonstra o quanto é importante o raciocínio antes de julgar alguém deliberadamente. Uma aula, uma obra-prima e uma condução de história primorosa.
    Abraço.

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    • Roberto Siqueira 13 setembro, 2012 / 10:19 pm

      Muito obrigado pelo elogio e pelo excelente comentário Janerson.
      Abraço.

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  3. Bruno Nery 5 fevereiro, 2011 / 3:29 pm

    Este filme é sensacional! É impossivel não sentir a tensão que se passa nas quatro paredes daquela sala. Realmente uma verdadeira aula de cinema, se vc parar p/ pensar q hoje qualquer pessoa tem uma camera de celular com resolução melhor que a utilizada no filme. Infelizmente já não se acham tantos atores explêndidos em uma única sala. Abraços!

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    • Roberto Siqueira 7 fevereiro, 2011 / 7:19 pm

      Olá Bruno, trata-se de uma verdadeira aula de cinema e de criatividade.
      Hoje até existem muitos atores talentosos, o difícil é juntar todos num mesmo filme.
      Abraço.

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    • Roberto Siqueira 8 outubro, 2009 / 7:13 pm

      Valeu Augusto!

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  4. 29 setembro, 2009 / 9:59 pm

    Oie!

    Belo comentário, Bé!
    Um dia eu vou conseguir assistir todos os filmes que você já comentou, rs!

    Beijos!

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    • Roberto Siqueira 30 setembro, 2009 / 8:45 pm

      Obrigado Ká!
      Com certeza vai, tenho todos eles. Quando quiser, só falar.
      Beijos.

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